ONU Alerta: Demanda por Refrigeração Pode Triplicar até 2050

Demanda por Refrigeração

Por Lucas Lopes, jornalista especializado em HVAC-R

A demanda por refrigeração e ar-condicionado pode mais que triplicar até 2050, alerta o relatório Global Cooling Watch 2025, lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) durante a COP30 em Belém, nesta terça-feira (11). O documento traz números alarmantes: sem mudanças estruturais, as emissões de gases de efeito estufa relacionadas ao resfriamento devem dobrar, chegando a 7,2 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente até 2050.

Como jornalista que acompanha o setor HVAC-R há mais de uma década, testemunhei a transformação deste mercado no Brasil. O que me preocupa neste relatório da ONU não é apenas a projeção de crescimento — que, aliás, já percebemos no dia a dia com recordes de vendas — mas o paradoxo climático que enfrentamos: quanto mais aquecemos o planeta, mais precisamos de refrigeração, criando um ciclo vicioso que pode agravar ainda mais a crise climática.

O Cenário Brasileiro Reflete a Tendência Global

O Brasil não está fora desta realidade. Dados recentes da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (ABRAVA) revelam que o setor faturou mais de R$ 41 bilhões em 2024, superando todas as expectativas. A produção de aparelhos split chegou próxima a 6 milhões de unidades, representando um crescimento superior a 50% em relação a 2023.

Thiago Pietrobon, diretor de Meio Ambiente da ABRAVA, que esteve presente na apresentação do relatório na COP30, confirma: “São 6 milhões de aparelhos split por ano para abastecer o mercado brasileiro”. Esse número impressiona, mas também acende um alerta sobre nossa infraestrutura energética e impacto ambiental.

Números que Exigem Atenção Imediata

O relatório do PNUMA traz dados que devem fazer todos os profissionais do setor repensarem suas práticas:

A capacidade global de resfriamento deve saltar de 22 TW em 2022 para 68 TW em 2050. Para contextualizar, isso representa um aumento exponencial que equivale a instalar mais de duas vezes toda a capacidade atual de refrigeração do planeta nos próximos 25 anos.

As emissões relacionadas ao resfriamento eram de 4,1 bilhões de toneladas de CO₂e em 2022. Mesmo com melhorias em eficiência energética e substituição de refrigerantes, esse número pode chegar a 7,2 bilhões de toneladas até 2050, quase dobrando o impacto ambiental do setor.

O crescimento da demanda é impulsionado por três fatores principais: aumento populacional global, crescimento econômico nas regiões em desenvolvimento e eventos de calor extremo cada vez mais frequentes. A Europa, por exemplo, que historicamente tinha baixa penetração de ar-condicionado, deve experimentar um aumento significativo devido às ondas de calor mais intensas e frequentes.

O Paradoxo da Refrigeração: Solução ou Problema?

Aqui está o dilema que me faz refletir diariamente sobre nosso trabalho no setor: a refrigeração é simultaneamente uma necessidade vital para a saúde e segurança das pessoas e uma fonte significativa de emissões. Mais de 1 bilhão de pessoas já não têm acesso adequado ao resfriamento, contribuindo para centenas de milhares de mortes relacionadas ao calor anualmente.

Inger Andersen, diretora-executiva do PNUMA, resume perfeitamente: “À medida que as ondas de calor mortais se tornam mais regulares e extremas, o acesso ao resfriamento deve ser tratado como infraestrutura essencial, juntamente com água, energia e saneamento”.

Mas a expansão descontrolada desta infraestrutura traz riscos graves. Na África e no sul da Ásia, a adoção massiva de aparelhos ineficientes já ameaça sobrecarregar redes elétricas, causando quedas de energia e aumentando os custos de geração. No Brasil, embora tenhamos uma matriz elétrica mais limpa que a média global, o pico de demanda durante ondas de calor também pressiona o sistema.

Caminho para o Resfriamento Sustentável: Uma Luz no Fim do Túnel

O relatório não é apenas apocalíptico. O PNUMA propõe o “Caminho para o Resfriamento Sustentável”, uma estratégia integrada que pode reduzir as emissões em 64% até 2050, proteger 3 bilhões de pessoas do calor extremo e economizar até US$ 43 trilhões em custos de eletricidade e infraestrutura.

Esta proposta combina três pilares fundamentais que todo profissional do setor precisa conhecer e implementar:

Resfriamento passivo: Incorporar técnicas de projeto arquitetônico que reduzem naturalmente a temperatura dos ambientes. Isso inclui orientação solar adequada, uso de materiais refletivos, ventilação cruzada e sombreamento estratégico. O relatório enfatiza que tornar o resfriamento passivo obrigatório por meio de códigos de construção é a alavanca mais forte para evitar o uso excessivo de resfriamento mecânico.

Sistemas híbridos de baixo consumo: Combinar ventiladores com ar-condicionado de alta eficiência, utilizando sensores inteligentes que ativam cada sistema conforme necessário. A tecnologia Inverter, que já representa grande parte do mercado brasileiro, é um exemplo de como podemos reduzir drasticamente o consumo energético.

Refrigerantes de baixo impacto: Acelerar a transição para fluidos com menor Potencial de Aquecimento Global (GWP), como o R-32 que já está presente em vários equipamentos no Brasil, e preparar o setor para refrigerantes naturais como R-290 e CO₂ em aplicações específicas.

O Argumento Econômico é Irrefutável

Para quem trabalha com números e projetos, os dados econômicos do relatório são convincentes:

Economia cumulativa de US$ 17 trilhões em custos de energia até 2050 com a adoção do Caminho Sustentável. Esse valor representa mais do que o PIB da China em 2024, demonstrando o potencial massivo de economia que as tecnologias eficientes podem proporcionar.

Redução de até US$ 26 trilhões em investimentos necessários na rede elétrica. Ao diminuir a demanda de pico, evitamos construir novas usinas e expandir a infraestrutura de transmissão, um benefício que se aplica diretamente ao Brasil, onde o planejamento energético de longo prazo é crucial.

Se a rede elétrica global for descarbonizada simultaneamente, as emissões relacionadas ao resfriamento podem cair 97% até 2050. Isso transforma o setor de vilão em neutro no combate às mudanças climáticas.

Contexto Regulatório e Movimentação Global

O engajamento internacional está crescendo. Até agora, 72 países aderiram ao Compromisso Global pelo Resfriamento, com meta de reduzir 68% das emissões do setor até 2050. No entanto, apenas 54 países possuem políticas abrangentes nas três áreas prioritárias: resfriamento passivo nos códigos de construção, padrões mínimos de desempenho energético e transição de refrigerantes.

O Brasil está entre os 134 países que incorporaram o resfriamento em suas estratégias climáticas nacionais (NDC). Como sede da COP30, o país tem uma oportunidade única de liderar pelo exemplo, implementando políticas mais rigorosas e acelerando a transição para tecnologias sustentáveis.

A iniciativa Mutirão Global Contra o Calor Extremo (Beat the Heat), lançada durante a COP30 sob liderança brasileira em parceria com a Cool Coalition do PNUMA, busca ampliar a resiliência ao calor nas cidades. Mais de 185 cidades já aderiram, incluindo o Rio de Janeiro, focando em grupos vulneráveis como pequenos agricultores, mulheres e idosos em regiões tropicais.

Impactos Específicos para Profissionais do Setor HVAC-R

Demanda Por Refrigeração

Esta notícia não é apenas mais um relatório internacional. Para nós, técnicos, engenheiros, instaladores e empresários do setor, há implicações práticas imediatas:

Qualificação profissional: A transição para tecnologias sustentáveis exige capacitação contínua. Profissionais que dominarem instalação de sistemas híbridos, manuseio seguro de novos refrigerantes e técnicas de eficiência energética terão vantagem competitiva.

Oportunidades de mercado: A retrofit de sistemas antigos para alta eficiência representa um mercado bilionário. Cada edificação comercial e residencial com equipamentos obsoletos é uma oportunidade de negócio.

Responsabilidade técnica: Instalações mal executadas podem reduzir a eficiência de um equipamento em até 30%. Nossa responsabilidade vai além do cumprimento de normas — estamos contribuindo diretamente para o futuro climático do planeta.

Adaptação de negócios: Empresas que anteciparem a demanda por soluções sustentáveis estarão melhor posicionadas quando regulações mais rigorosas entrarem em vigor. A história mostra que a legislação sempre vem depois da tecnologia já estar disponível.

Desafios Específicos do Mercado Brasileiro

O Brasil enfrenta desafios únicos nesta transição. A baixa penetração de ar-condicionado nas regiões Norte e Nordeste, onde as temperaturas são mais elevadas, representa simultaneamente um problema social e uma oportunidade. Como garantir acesso ao conforto térmico para essas populações sem repetir os erros de países que adotaram massivamente equipamentos ineficientes?

A ABRAVA projeta crescimento de 30% nas vendas de ar-condicionado para 2025, atingindo faturamento na ordem de R$ 54 bilhões. Esse boom não pode acontecer às custas do meio ambiente. Precisamos de políticas públicas que incentivem a compra de equipamentos eficientes, talvez através de linhas de crédito diferenciadas ou incentivos fiscais para produtos com selo Procel A de eficiência.

O setor de refrigeração comercial e industrial, impulsionado pelo recorde nas exportações de proteína animal em 2024, também demanda atenção. Supermercados representam 50% do faturamento da refrigeração comercial, e cada nova loja é uma chance de instalar sistemas com refrigerantes naturais e alta eficiência desde o projeto.

O Papel da Inovação Tecnológica

A inteligência artificial já está presente em equipamentos modernos, permitindo otimização automática do consumo energético. Sensores conectados ajustam temperatura e umidade baseados na ocupação real do ambiente. Dados de 2024 mostram que modelos com inversores inteligentes apresentam desempenho até 50% mais eficiente que aparelhos tradicionais.

A IoT (Internet das Coisas) possibilita manutenção preditiva, identificando problemas antes que causem falhas completas e perda de eficiência. Para empresas de manutenção, isso representa uma mudança de paradigma: do atendimento reativo à gestão proativa de sistemas.

Recomendações Práticas Imediatas

O relatório do PNUMA emite recomendações concretas que podemos começar a implementar hoje:

Mudança do modo emergencial para governança proativa: Parar de tratar ondas de calor como eventos excepcionais e incorporar o resfriamento no planejamento urbano de longo prazo.

Integração multinível: Coordenar ações entre governos federais, estaduais e municipais, envolvendo também o setor privado e organizações da sociedade civil.

Financiamento climático: Direcionar recursos para projetos de resfriamento sustentável, especialmente em comunidades vulneráveis.

Capacitação massiva: Investir na formação de profissionais qualificados para instalar e manter sistemas de alta eficiência.

Conexão com Realidades Locais

Recentemente, noticiamos aqui no Blog Climatiza um caso que ilustra a importância da refrigeração adequada: a apreensão pela PRF de 275 kg de queijo sem refrigeração no Maranhão. Esse tipo de situação evidencia que refrigeração não é luxo — é questão de saúde pública e segurança alimentar.

Com a demanda triplicando até 2050, garantir que essa expansão ocorra de forma sustentável e acessível é responsabilidade de todos no setor. Cada instalação feita corretamente, cada manutenção preventiva realizada, cada orientação dada ao cliente sobre uso eficiente, contribui para um futuro mais equilibrado.

FAQ: Dúvidas Sobre o Relatório da ONU

Por que a demanda por refrigeração vai triplicar?

Três fatores principais impulsionam esse crescimento: o aumento da população global, especialmente em regiões tropicais; o crescimento econômico que permite mais pessoas acessarem ar-condicionado; e as ondas de calor cada vez mais frequentes e intensas causadas pelas mudanças climáticas. No Brasil, já vemos esse padrão com recordes consecutivos de vendas nos últimos dois anos.

Quanto esse aumento vai custar em emissões de carbono?

Sem mudanças estruturais, as emissões relacionadas ao resfriamento podem dobrar, passando de 4,1 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente em 2022 para 7,2 bilhões em 2050. Porém, adotando o Caminho para o Resfriamento Sustentável proposto pela ONU, podemos reduzir essas emissões em 64%, chegando a apenas 2,6 bilhões de toneladas.

O que é o Caminho para o Resfriamento Sustentável?

É uma estratégia integrada que combina resfriamento passivo (técnicas arquitetônicas), sistemas híbridos de baixo consumo (ventiladores + ar-condicionado eficiente) e refrigerantes de baixo impacto ambiental. Se implementado globalmente, pode economizar US$ 17 trilhões em custos de energia e evitar US$ 26 trilhões em investimentos na rede elétrica até 2050.

Como isso afeta profissionais do setor HVAC-R?

Essa transição representa enormes oportunidades de trabalho: retrofit de sistemas antigos, instalação de equipamentos eficientes, manutenção especializada e consultoria em eficiência energética. Profissionais qualificados em novas tecnologias e refrigerantes de baixo GWP terão alta demanda. A capacitação contínua será essencial para aproveitar essas oportunidades.

O Brasil está preparado para essa transição?

Parcialmente. O setor brasileiro já adota tecnologias eficientes como Inverter e refrigerante R-32 em larga escala. Porém, ainda faltam políticas públicas mais robustas para incentivar eficiência energética, códigos de construção que exijam resfriamento passivo e programas de capacitação profissional em massa. Como sede da COP30, o país tem a chance de liderar pelo exemplo.

Quais refrigerantes são considerados sustentáveis?

Demanda Por Refrigeração

Os refrigerantes com baixo Potencial de Aquecimento Global (GWP) incluem o R-32 (já amplamente usado no Brasil), R-290 (propano), R-600a (isobutano) e CO₂ (R-744). Cada um é adequado para aplicações específicas. O importante é abandonar os HFCs de alto GWP e planejar a transição conforme as normas de segurança e regulamentações locais.

Checklist Técnico: Ações Imediatas para o Setor

Para empresas, técnicos e profissionais do setor HVAC-R, aqui está um roteiro de ações concretas baseadas no relatório da ONU:

  • [ ] Revisar portfólio de produtos e serviços — Priorizar equipamentos com selo Procel A e tecnologia Inverter
  • [ ] Capacitar equipe técnica — Investir em treinamentos sobre novos refrigerantes e sistemas de alta eficiência
  • [ ] Atualizar processos de instalação — Incorporar técnicas que maximizem a eficiência real dos equipamentos
  • [ ] Implementar manutenção preditiva — Utilizar tecnologias IoT para monitoramento contínuo de sistemas
  • [ ] Educar clientes — Explicar a relação entre eficiência energética, economia na conta de luz e impacto ambiental
  • [ ] Estudar incentivos disponíveis — Pesquisar linhas de crédito e programas governamentais para projetos sustentáveis
  • [ ] Participar de associações setoriais — Engajar-se em discussões sobre normas técnicas e regulamentações
  • [ ] Planejar transição de refrigerantes — Preparar infraestrutura para trabalhar com fluidos de baixo GWP
  • [ ] Documentar casos de sucesso — Criar portfólio de projetos eficientes para demonstrar expertise
  • [ ] Acompanhar desenvolvimentos da COP30 — Monitorar decisões que podem impactar o setor brasileiro

Conclusão: Um Chamado à Ação Coletiva

Como jornalista especializado neste setor há mais de uma década, raramente vi um relatório com dados tão claros e urgentes. A demanda por refrigeração vai triplicar até 2050 — isso é inevitável. Mas como vamos atender essa demanda depende das escolhas que fazemos hoje.

O Brasil tem todos os elementos para ser protagonista nesta transição: uma matriz elétrica relativamente limpa, um setor HVAC-R consolidado e tecnologicamente atualizado, representação forte através da ABRAVA e agora a vitrine global da COP30. Falta coordenação política e compromisso coletivo.

Para nós, profissionais do setor, a mensagem é clara: não somos apenas técnicos instalando equipamentos. Somos agentes de transformação em um dos setores que mais impactará o futuro climático do planeta. Cada projeto é uma escolha entre perpetuar o problema ou fazer parte da solução.

O relatório Global Cooling Watch 2025 não deve ficar arquivado como mais um documento internacional. Ele precisa se tornar guia prático para políticas públicas, decisões empresariais e práticas profissionais. O futuro do resfriamento sustentável começa nas escolhas que fazemos hoje — no projeto que desenhamos, no equipamento que especificamos, na instalação que executamos.

O calor vai aumentar. A demanda vai crescer. Mas se agirmos com inteligência, responsabilidade e visão de longo prazo, podemos garantir que todos tenham acesso ao conforto térmico sem comprometer o planeta que deixaremos para as próximas gerações.


Sobre o Blog Climatiza: Notícias técnicas de alta qualidade sobre o setor HVAC-R, produzidas por Lucas Lopes, jornalista com mais de 10 anos de experiência especializada em climatização e refrigeração. Informação confiável, precisa e com contexto técnico aprofundado para profissionais e interessados no setor.

Você trabalha no setor HVAC-R? Como sua empresa está se preparando para esta transição sustentável? Compartilhe sua experiência nos comentários — vamos construir juntos o futuro do resfriamento no Brasil!


Recursos e Referências Oficiais:

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